quinta-feira, 26 de maio de 2011

O pardalito Nico

A luz brotou, depois suavemente se escondeu, e dali se foi. Breve era o dia. Todos os dias. Sucedia à luz solar, branca e cheia de brilhos, um sombreado lusco-fusco, que embalava compassadamente o tempo e trazia tantos mistérios - embrulhados em papel-de-luas - aos sonhos de um pardalito, ainda bambino: sentia que ela - a luz viva, visível, preciosa e única - partia devagarinho, como que a dizer-lhe “adeus e até amanhã, meu querido pardalito”; e nada podia fazer, a não ser sonhar e sonhar e sonhar, e esperar vê-la de novo na alvorada seguinte, que sempre viria, sabia ele. Ah! Sonhos de pardalito: magia e magia e magia...

Ao sentir que a noite se aproximava, o semblante de Nico, reflectia a agitação de não querer estar sozinho quando o dia se escondia: como se estivesse num palco, sob as luzes da ribalta, olhando, saudoso, a fantasia que partia: sentia a falta da voz açucarada de sua Mema, como qualquer pardalito que adora voar livremente pelos céus em busca de aventuras e supõe encontrar, ao descer das nuvens, o seu ninho fofinho, sob lençóis de estrelas: - Que bom, pensava, o tecto da minha casa é o mais bonito do mundo! Tantas luzinhas, recortadas como lampiões suspensos no infinito de um mundo esplêndido e nunca visitado: nunca ninguém lá fora, mas decerto um dia, acreditava ele, partiria em busca do segredo do mundo, saltitando pelas estrelas, uma a uma e ao pé-coxinho.

Finalmente, ao crepúsculo, Nico pousou na árvore que era a sua casinha. Soprava um leve vento e os ramos oscilavam como se felicitassem o seu regresso depois de um dia de cheio de aventuras, bem vivido e muito saboroso. De bico aberto, piava de fome. Como sempre, a sua Mema, atenta e preocupada, tinha o jantar preparadinho para o seu filhote: hoje comeriam sementes de girassol.

- Uau! Que bom! É a minha comida preferida. Oh Mema! És tão querida. Adoro-te!

Enquanto jantavam, Nico, entusiasmado, depois de contar as suas aventuras mirabolantes, revelou que queria descobrir o segredo do mundo e que, para isso, um dia iria voar para muito longe, até ao infinito, muito para além das estrelas suspensas que enfeitavam o tecto da sua casinha...

- Mema diz-me: qual é o segredo do mundo?

Sábia, a sua Mema respondeu: - O segredo do mundo, Nico, é o segredo da vida!

O pardalito ainda bambino, estupefacto, retorquiu: - E qual é o segredo da vida?

- Ah! O segredo da vida é a liberdade: é escolher o nosso caminho, aquilo que amamos e queremos muito fazer: é ser capaz de reconhecer o valor do amor e de todas as coisas boas da vida! E, sobretudo, é acender a luz quando escuridão nos envolve…

- Que coisa linda! E a liberdade onde está? Como posso encontrá-la e senti-la, perguntou curioso Nico.

- Ela está dentro de ti. É aí que a deves procurar - volveu a sua mãe, sorrindo com ternura. Mas, agora temos de ir dormir, está na hora…

Nico, bem-disposto, ripostou: - Posso dormir contigo no teu raminho-quartinho? Assim, muito aconchegadinho ao teu corpinho quentinho…

Dito isto, ambos foram para o raminho-quartinho e, juntinhos, deixaram-se levar pelo sono que docemente os invadia.

De repente, zás-catrapás-catrapús: o raminho-quartinho da Mema partiu-se, e os dois, alvoraçados e meio estremunhados, bateram com energia as asinhas, procurando confusamente vencer a inércia que os levava em queda para o chão que se avizinhava segundo a segundo.

- Ai Mema! Ajuda-me! Ajuda-me! Gritou o pardalito assustado.

- Bate as asinhas, Nico. Com força, vá, vá! És capaz, bate as asinhas, como eu!

Nico, atrapalhado, bateu as asas com a força toda que tinha. Curiosamente, não sentiu medo: sentiu-se muito valente e contente, porque afinal era capaz de voar como a sua Mema lhe pedia.

Nico e a sua Mema conseguiram reerguer-se e voltar a outro raminho, aliviados porque não se tinham esborrachado no chão.

- Uf! Suspirou Nico. Que susto! Que se passou? Não percebo…

- Sabes Nico, já és um pardalito crescidote: o teu e o meu peso juntos são demasiado para os frágeis raminhos da nossa casinha. Por isso, o meu raminho-quartinho se partiu… Era muito fininho, por isso fraco para suportar o peso dos dois.

- E o que fazemos agora, inquiriu Nico tristonho. Significa que não podemos dormir juntinhos no mesmo raminho-quartinho?

- É isso mesmo. Temos de dormir cada um em seu raminho-quartinho, esclareceu Mema. Mas deves sentir-te feliz. Lembra-te do segredo da vida: a liberdade! E a liberdade é isso: ser capaz de dormir sozinho no teu raminho-quartinho, de não ter medo do escuro da noite quando te deitas para dormir, de fazer a caminha de manhã, de arrumar os teus brinquedos, de lavar a carinha e os dentes de manhã, de fazer os trabalhos da escola sem ajuda, enfim…

- Ah Mema! Percebo. Ser livre é fazer tudo aquilo que somos capazes e só pedir ajuda quando ainda não conseguimos sozinhos. É ser independente, é nunca desistir, é apanhar pedras e com elas construir castelos…

- É, tens razão Nico. É seguir o nosso caminho, sem enganos ou ilusões. É ser capaz de fazer, sem medos ou fantasmas. É amar, sem segredos ou reservas.

- Que bom Mema. Ensinas-me coisas tão giras… E o mais engraçado que aprendi é que é de pedra que se faz o mais encantador castelo: assim é o amor!

“A vida guarda inúmeros segredos, que importa descobrir; a vida tem ritmos que importa reconhecer; a vida revela em si tanta beleza, que importa saborear; a vida oferece-nos tudo, prazer e bem-estar, alegria e amor, se a compreendermos, se soubermos que a seguir à tempestade espreita a bonança, que depois da noite floresce o dia, que após a guerra se impõe a paz.”



manuel moraes || 24.05.2011