Ofereço-vos sabão para a língua.
Oportunidade única! É de favor!
É que uma língua de sabão lava as palavras
E faz a conversa mais limpa!
[Responde o povo ao saboeiro]
A nossa conversa não é suja - é modesta e honesta.
Anuncia a tua oferta ao patrão de todos nós
Que faz das palavras a mão que mexe no bolso alheio
E desvia a moeda erma para o seu ávido mealheiro.
[Replica o saboeiro ao povo]
A mão do patrão de tudo isto não usa o anel de renúncia.
Tenho diante de mim uma multidão sonambulizada
Almas de olhos cansados por afazeres multiplicados
Cujo sossego é feito de resignação e afirmados pecados.
[Treplica o povo ao saboeiro]
Nas cavernas do apartamento somos empregados e anónimos.
De carteira vazia, com olhos cansados e alma ainda mais cansada
Alinhamos os dias - uns a seguir aos outros - regulares e ordeiros
E na fila da salvação - horas lentas e vazias - seguimos como carneiros.
[Reforça o saboeiro ao povo]
A glória de ser grande não sendo nada não vos pertence.
A mesa - oculta e farta - não é o lugar da gente comum
Apenas os nobres e os célebres se achegam de trajo de gala
E sem despir o fato consolam a vida - açucarando de viver.
[Contesta o povo ao saboeiro]
O patrão de tudo isto quer ser tudo mas não mora na mesma rua.
Dourador de todos os enigmas repete as palavras sujas
E ensina o sentido das coisas que não podem ter solução
A não ser glorificar a obra inútil que dobra a razão.
[Termina o povo dizendo ao saboeiro]
A tua língua de sabão não serve o que queremos ser.
No fundo do copo casual de onde apenas bebemos água
Tudo é ilusão e fantasmagoria e de pouco vale o sonho
Quando o abismo é a certeza maior do medo medonho.
…
Talvez o caminho não seja sonhar com princesas e fartanças.
Encolhidos na fila de espera à porta da entrada do castelo
Somos os próprios espectadores por licenças despidas de fundo
E o que nós dizemos é que se uns governam o mundo - nós somos o mundo.
07.04.2016
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